Quando bandidos viram mocinhos: a democracia em perigo
Quando bandidos viram mocinhos: a democracia em perigo
Antes de receber críticas pelo conteúdo deste texto, quero lembrar que
estou plenamente empenhada na campanha salarial dos professores estaduais de
São Paulo, que certamente já receberam os materiais e logo receberão novos
materiais. Outras lutas de interesse da nossa categoria profissional estão
sendo encaminhadas.
Digo isso porque me sinto no pleno direito, como cidadã, de expressar
minha opinião sobre o que está ocorrendo no Brasil neste momento. Como
educadora, sinto-me na obrigação de comentar o que se passou na sessão da
Câmara dos Deputados que decidiu pela admissibilidade do processo de
impeachment da Presidenta Dilma Rousseff. Sinto-me, portanto, compelida a
emitir minha opinião para não me omitir na minha condição de cidadã e educadora
neste momento tão grave da nossa história.
Depois de assistir o triste espetáculo oferecido pelos Deputados e
Deputadas federais na votação ocorrida no domingo, 17 de abril, fico muito
preocupada com o que está sendo feito da educação brasileira, que tipo de
formação nossos jovens estão recebendo e de que forma o ocorrido poderá se
refletir nesta formação.
Sim, porque o que se viu ali colabora para o desaprendizado dessa
juventude. Não se ensina o exercício da cidadania acusando-se sem provas. Não
se ensina cidadania com o tipo de comportamento apresentado por Deputados e
Deputadas que votaram sim ao impeachment sem sequer se darem ao trabalho de
abordar o conteúdo do parecer do relator ou se manifestar sobre as acusações de
supostos crimes que teriam sido cometidos pela Presidenta.
Ouso dizer, neste sentido, que as assembleias dos professores, as
assembleias convocadas e conduzidas pela APEOESP, contribuem muito mais para a
formação da cidadania que sessões como esta do Congresso Nacional. Há quem
tenha críticas à minha pessoa, mas não podem acusar-me de ter o comportamento
do Deputado Eduardo Cunha. Nas nossas assembleias todos podem expressar-se de
forma cristalina e tudo é decidido pelo voto democrático e soberano dos
professores.
Deseducação
Fico estarrecida quando bandido se apresenta como mocinho e assim é
visto por parte da população. Respeito todas as opiniões, mas gostaria muito de
saber como está se sentindo alguém que torceu pelo sim ao lado do Deputado
Eduardo Cunha e de tantos outros parlamentares envolvidos em múltiplas
irregularidades e casos de corrupção, como, por exemplo, Paulo Maluf. Também
posso citar a Deputada Raquel Muniz (PDT-MG), que votou “sim” ao processo de
impeachment e bradou contra a corrupção. No dia seguinte seu marido, atual
Prefeito de Montes Claros (MG), foi preso por corrupção. A própria Deputada
também é acusada pelo Ministério Público Federal. Na Comissão Especial, 35 dos
38 Deputados que votaram pelo impeachment respondem a processos na justiça por
corrupção!
Deputados que são réus perante diferentes instâncias judiciais ali
estavam para julgar a Presidenta da República, eleita democraticamente por 54
milhões de brasileiros e sobre a qual não se prova crime algum. Como é possível
tal inversão de valores?
Creio que vimos nesta sessão da Câmara dos Deputados o triste resultado
da maneira como a educação vem sendo tratada ao longo de décadas no nosso país.
O não investimento na educação pública tem grande peso nesta situação. Vimos
ali pessoas mal formadas, contaminados por um espírito utilitarista da coisa
pública, que não expressaram a importância da matéria que estavam analisando e
que preferiram abordar questões cotidianas de seus estados, de seus municípios,
de suas localidades, num momento em que estavam sendo decididas questões fundamentais
para o futuro do Brasil.
Este seria o momento em que deveria expressar-se no plenário a vontade e
a opinião qualificada de brasileiros e brasileiras, mas o que se viu foi foram
baixarias, palavras de baixo calão e um comportamento que deseduca os jovens. A
juventude que está descontente com a atual situação brasileira merece ser
tratada com respeito, com diálogo, com informações e esclarecimentos. Da forma
como ela está sendo confrontada com esse tipo de política, irá desaprender e
tenderá a se relacionar com base no “vale-tudo”, na impressão de que o crime
compensa e de que esse é ordenamento natural das coisas.
O fato é que Deputados e Deputadas que votaram sim à admissibilidade do
impeachment aludiram a tudo o que se possa imaginar, menos ao mérito do que
estava em discussão. Fugiram totalmente da questão central de saber se houve ou
não crime de responsabilidade que justifique a abertura de processo de
impeachment. Fizeram total confusão entre o público e o privado, como se a
Câmara dos Deputados fosse uma extensão de sua vida particular. Família,
parentes, amigos foram mais citados que a Constituição, a legalidade, a
existência ou não de crime que conduza ao processo de afastamento.
Vergonhosamente, esses parlamentares se esconderam para não responder à
pergunta a que foram convocados a responder. Muitos deles não teriam mesmo a
menor condição de se pronunciar sobre essa questão.
É preciso refletir sobre o que está em jogo no Brasil
Não abro mão, neste momento, do direito de realizar esta reflexão, para
chamar a atenção dos que se deixam levar pelo conluio que se armou em torno
deste golpe, indevidamente denominado de impeachment, para o fato de que a
omissão de muitos está permitindo a volta da eleição indireta no Brasil.
Vivemos 21 anos de ditadura militar e a derrotamos, conquistamos o direito de
eleger diretamente o/a Presidente/a da República e deste direito não abro mão.
E o que vemos são Deputados que falam claramente quando pronunciam seu voto
“sim” ao impeachment dizer que o fazem para tirar a Presidenta Dilma do Poder.
Esta é a verdadeira motivação do golpe: retirar do governo quem obteve 54
milhões de votos populares para, de forma indireta, passar o poder a quem não
teve voto algum.
Volto a dizer que respeito todas as opiniões, mas não posso evitar um
sentimento de repulsa quando vejo pessoas festejarem o resultado da votação,
colocando-se ao lado do Presidente da Câmara, um homem acusado de ter recebido,
em apenas um dos casos em que está envolvido, R$ 52 milhões em propinas.
É realmente assustador viver este momento em que bandidos são vistos
como mocinhos e preparam o assalto ao poder para destruir todas as conquistas
de 12 anos de lutas do povo brasileiros. Por isso continuamos lutando para que
isto não aconteça.
Maria Izabel Azevedo Noronha
Presidenta da APEOESP
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