Não basta gritar "doutrinação"

Não basta gritar "doutrinação"

Por: Rodrigo Ratier - Revista Nova Escola - Edição 303 (junho/julho)
 
OPINIÃO: É preciso investigar o suposto problema e ter disposição para o debate. Coisas que o Escola sem Partido não faz
 
"Quem quer que negue a evidência da doutrinação deve ser imediatamente excluído da discussão." Palavras do hoje famoso Miguel Nagib, advogado que coordena o Escola Sem Partido (ESP). Ao escutar a declaração durante uma reunião aberta do movimento, pensei: "Que contradição é um projeto defender a multiplicidade de pontos de vista na Educação e, ao mesmo tempo, exigir o silêncio de certas vozes..."
 
Por que agem assim? Minha hipótese é a seguinte: tentar impor - na marra - a ideia de que a doutrinação no ensino é um problemão é a única saída para o movimento sobreviver.
 
O Escola Sem Partido parte de uma premissa inquestionável. A de que a doutrinação em sala é uma coisa ruim. Verdade. Também é verdade que, num universo de 2 milhões de professores, existem maus profissionais (me parece, aliás, que isso seria verdade para qualquer ocupação). E pronto. Isso é tudo que o movimento tem.
 
O resto é só fragilidade. O ESP tem falhado em questões básicas. Falta uma definição clara do que se entende por doutrinação. Faltam evidências concretas de que se trata de um problema disseminado. Faltam indicações de seu tamanho e de seus efeitos.
 
Precisa de tudo isso? Sim. Quem quer ser levado a sério tem de tratar seus argumentos com seriedade. No caso da Educação, significa fazer pesquisas para entender melhor até questões que parecem ter uma resposta muito evidente. Vou dar um exemplo: se eu perguntar "Será que a escola influencia a Educação de um aluno?", a resposta óbvia de um educador será "Claro que sim". Mas mesmo essa pergunta simples merece muita pesquisa. A influência da escola é maior ou menor do que a familiar, o entorno social, o nível econômico?
 
Com a doutrinação, deveria acontecer a mesma coisa. Mas, até o momento, não há nenhuma investigação que nos permita entender o suposto problema. Seria o mínimo. Para que a questão tenha importância de fato, precisaríamos de várias pesquisas, comprovações independentes, um campo de estudo e de debate sobre o tema.
 
Aí está a questão. O Escola Sem Partido, como mostra a fala de Nagib, não tem intenção nem de pesquisar nem de discutir. Colocando os professores como adversários e optando pela agressividade no discurso, alimenta ódios. As poucas reuniões com opositores terminam em confusão. Não é debate, é briga, e isso interessa ao ESP. O fla-flu gera memes nas redes sociais, demonização e vitimização de ambos os lados. O movimento segue sob os holofotes, e a luz saturada impede que se vejam suas enormes fragilidades.
 
Se estivessem de fato interessados em resolver o problema da alegada doutrinação, poderiam tomar outro caminho: o do diálogo pedagógico, aberto aos pontos de vista contrários, a examinar causas e consequências e, acima de tudo, a procurar uma solução conjunta. Quem quer entender dialoga. Quem quer impor grita.

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