Mais um Golpe?
Artigo publicado na página 10 do Jornal da Manhã de hoje, dia 26/4. É longo, mas esclarecedor, peço para ler e compartilhar,
MAIS UM GOLPE?
Em 1964, o golpe civil/militar NÃO foi contra o comunismo, mas, sim contra o governo popular e democrático de João Goulart, com a intenção de implementar medidas desfavoráveis à classe trabalhadora e mobilizar a classe média. Este golpe rasgou a Constituição de 1946, então vigente, pois afastou um presidente pela força das armas e isso, logicamente, não possuía amparo legal. “Lembremos Tancredo Neves, bradando indignado contra a fraude perpetrada no Congresso nacional sob a mira das baionetas. O que se seguiu ao golpe de 64 está fartamente documentado: torturas, desaparecimento de pessoas, censura a artistas e intelectuais. A repressão descarada, as “Obans”, os “Doi-Codis”, as valas comuns no cemitério de Perus e em tantos outros em todo o país. O empoderamento dos esbirros no Dops. A prepotência e as muitas cassações arbitrárias: mandatos parlamentares, professores universitários, ministros do Supremo Tribunal Federal. Cassaram o sagrado direito de pensar diferente e a liberdade de expressão. E puniram quem se insubordinasse a esta ordem”( F.Haddad).
Em 2016, o golpe jurídico, parlamentar, empresarial, midiático NÃO foi contra a corrupção. Foi para mobilizar mais uma vez a classe média e desestabilizar um governo legitimamente eleito, empenhado na redução da desigualdade social. Este golpe teve uma pauta neoliberal que trouxe prejuízos imensos à população: privatizações, reforma trabalhista, terceirização, desemprego, redução de salário, reforma da previdência, “PEC da Morte” que congelou gastos públicos com a Saúde, a Educação, a Segurança Pública e Projetos sociais, por 20 anos; corte dos médicos cubanos de um programa bem-sucedido “Mais Médicos” que atendiam pacientes por todo o Brasil onde os médicos brasileiros jamais aceitaram trabalhar e que seriam tão úteis agora em tempos de pandemia. Para que esse golpe se concretizasse, derrubaram uma presidenta eleita, sem crime de responsabilidade; prenderam Lula, sem crime e sem provas e apoiaram a eleição fraudulenta de Bolsonaro.
Estamos em 2020 e um novo golpe dentro de um golpe nos ronda. Qual o pretexto desta vez? Segundo Bolsonaro, o Supremo e a Câmara estão tramando sua derrubada! Com esta desculpa, ele vai se sentindo à vontade para formatar um golpe “para se proteger”. Seria um autogolpe para comandar sozinho toda a nação. Mas qual a verdadeira razão destas ofensivas do presidente? Vamos aos fatos! Estarrecidos assistimos ao presidente discursar em Brasília, no domingo, dia 19 de abril, em frente a um quartel-general do Exército, em ato por intervenção militar, pelo fechamento do Congresso Nacional e do STF, e contra as medidas do isolamento social pela epidemia do coronavírus, cujos participantes gritavam frases como “Fora, Maia” (em referência ao presidente da Câmara Rodrigo Maia), “AI-5”, “Fecha o Congresso”, “Fecha o STF”, palavras de ordem ilegais, inconstitucionais e contrárias à democracia. E exibiam muitas faixas enormes com estes mesmos dizeres. O Ato Institucional número 5 (AI-5), para quem não sabe, vigorou durante dez anos(de 1968 a 1978), no período da ditadura militar, e foi usado para punir opositores, com prisão, tortura e morte e cassar parlamentares.
Foi uma grita geral! Houve forte reação de repúdio de pessoas da sociedade, de parlamentares, de partidos políticos, da OAB, da ABIN, do Supremo, da mídia e outros. Frente a esta reação, Bolsonaro dissimuladamente recuou, mas disse uma frase perigosa: “A Constituição sou eu!”, como se fosse um monarca absolutista francês do século XVII. A Constituição é um pacto democrático com o povo e deve ser respeitada por todos, inclusive pelo presidente.
Mas por que realmente Bolsonaro que dar um golpe? Primeiramente para satisfazer sua sanha ditatorial e também porque ele vem perdendo apoio dos parlamentares, dos governadores, do povo, mas precisa de todos eles para dar continuidade ao seu macabro projeto neoliberal, que ainda não foi concluído. De acordo com o combinado com os grandes grupos empresariais e corporações nacionais e internacionais que o elegeram, Bolsonaro precisa entregar ainda mais riquezas de nosso país, mais direitos trabalhistas, mais privatizações. Mas como fazer tudo isso sem apoio do Congresso? Assim ele faz ameaças, volta à velha política do “toma lá, dá cá” com o “centrão”, intermediada por Roberto Jefferson e Valdemar da Costa Neto e fica desesperado. Com o desespero, o fantasma do golpe volta a rondar seus pensamentos.
Somos de uma geração que vivenciamos a ditadura de 1964 a 81 e sentimos na pele seus horrores. Embora a vida fluísse “normalmente”, havia um clima funesto no ar, especialmente nos anos de chumbo após AI-5. Sabíamos que nos porões da ditadura havia prisões, torturas e mortes. Amigos eram fichados como terroristas ou subversivos apenas por cursarem Ciências Socais, por exemplo. Estudantes guardavam livros nos porões ou sótãos de suas casas ou “repúblicas”, pois, se a polícia da repressão entrasse em sua moradia e visse um livro de Marx, por exemplo, já os considerava subversivos. Festas de estudantes eram vigiadas. Cantávamos a música proibida de Geraldo Vandré de mãos dadas “Vem, vamos embora que esperar não é saber/ quem sabe faz a hora não espera acontecer”, mas logo alguém gritava: “olha a polícia” e a música mudava de “tom” e o medo aparecia. Sempre havia infiltrados nos grupos de jovens, que “deduravam” atitudes consideradas suspeitas numa avaliação muito subjetiva. E colegas desapareciam, voltando tempos depois, muito estranhos, mal falando coisa com coisa. No livro “Cativeiro sem fim”, Eduardo Reina revela histórias de bebês, crianças e adolescentes sequestrados pela ditadura para serem educados por militares, como aconteceu tantas vezes na Argentina. Assistíamos a filmes em lugares escondidos, pois determinadas obras de arte foram censuradas. O mesmo acontecia com exposições e peças teatrais. Nos jornais havia espaços em branco ou receitas de bolo, mostrando que ali estaria um texto que foi censurado. Muitas vezes textos que revelavam a corrupção dentro da ditadura. Os direitos individuais, como a privacidade, as liberdades de pensamento e de consciência, de expressão, de imprensa, de reunião e de movimento, de ter um julgamento justo, de votar e ser votado foram suprimidos. Isso tudo foi uma tragédia que afetou mais de uma geração de brasileiros.
Estamos vivendo, nos dias de hoje, uma pandemia que a cada dia produz mais infectados e mortos. Além do mais, por incompetência governamental, ou propositalmente para provocar o caos, o auxílio emergência não chega às mãos dos mais necessitados. Assim um cenário de guerra está se formando: fome e vírus! Estamos vivendo, também, um pandemônio na presidência que nos angustia e atemoriza e agora a possibilidade de volta à ditadura. O POVO BRASILEIRO NÃO MERECE TAMANHO INFORTÚNIO.
Professor Juvenal de Aguiar – Diretor estadual da Apeoesp e Maria Elvira Nóbrega Zelante, professora aposentada, ambos militantes do Partido dos Trabalhadores e Membros da Executiva Municipal de Marília.
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